Cândida em 'Terra e paixão', Susana Vieira diz: 'Só meus cachorros conhecem meu lado doce' (2023)

Curiosamente, a personagem tem espalhadas pelo quarto imagens de seus grandes ídolos da TV, que vêm a ser colegas de profissão e amigos de Susana: Tarcísio Meira, Gloria Menezes, Francisco Cuoco, Yoná Magalhães... “Cândida é fã deles todos e de mim, acredita? Tem uma foto no cenário de quando estreei na Globo, em ‘Pigmalião 70’ (1970), fazendo par com Sérgio Cardoso”, adianta a atriz, ressaltando outra coincidência: “Na terceira novela que fiz na Globo, ‘Escalada’ (1975), eu vivia uma menina pura, virgem, que também se chamava Cândida. Ela vinha numa charrete, de repente o cavalo dava um pinote e surgia Tarcísio Meira”.

Na longa entrevista concedida após sete horas de produção — a diva fez sua própria maquiagem e ajeitou seu cabelo, que em cena ganha mechas grisalhas, pela primeira vez —, a paulistana octogenária comprovou que sua inconfundível energia só se renova com o passar do tempo. Sempre com uma resposta criativa na ponta da língua, ela mesma chamava atenção para suas frases de efeito a cada reflexão: “Essa também é boa, hein?”. A seguir, o puro suco de Susana Vieira, paixão desta terra fértil chamada teledramaturgia.

Susana Vieira, a Cândida de "Terra e paixão", mostra o cenário da personagem

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Dona de bar e bordel idolatra astros da TV brasileira

A construção de Cândida

“Eu me atrasei um pouco para gravar ‘Terra e paixão’ porque tive que fazer uma cirurgia no pé (fraturado em janeiro). Fiquei dois meses com bota ortopédica e, quando tirei, achando que o osso estava ‘colado’, não estava. O médico disse que eu tinha que operar e colocar um pino. Aí eu fiquei mais ou menos 20 dias de repouso, o que atrasou o meu convívio com as pessoas da novela. Os estudos, eu fazia tudo on-line. Quando cheguei para gravar no primeiro dia, tinha dez cenas pela frente com um sotaque complexo, mas o meu figurino estava perfeito. Isso já me adiantou uns 50% da personagem. A caracterização me botou um batom vermelho, coisa que nunca usei na vida, porque acho que fico feia. Também não queria pintar o cabelo de branco, porque sempre fui loira ou morena. Conseguiram uns tufinhos de uma senhora lá do interior e trouxeram pra mim. E assim fiquei pronta fisicamente. A personalidade, eu não costumo me inspirar em filmes nem em ninguém. Chego no estúdio e sinto a energia em volta. À medida que vou gravando, vou melhorando. A esta altura, já estou fazendo Cândida com mais naturalidade, soltura”.

Homenagem a quem faz história na TV

“A direção de arte fez essa graça afetiva, colocando eu e os meus colegas de vida real como ídolos de Cândida. Eu chamei todo mundo pra ver a foto (de ‘Pigmalião 70’), porque ninguém acredita que eu tenho 50 anos de Globo. Nem 80 de vida... Não havia uma pessoa daquele estúdio que tivesse nascido antes de 1970, quase ninguém tinha ouvido falar em Sérgio Cardoso. Ninguém faz questão de contar a história da TV brasileira, que se renova a cada cinco minutos com nomes que viralizam e ganham milhões de seguidores... Essas pessoas te seguem pra ir pra onde? Isso não me interessa. Eu uso o meu Instagram para divulgar a minha peça, a novela que eu faço e para compartilhar a vida com meus fãs fiéis, de todas as idades e tipos. Eles ficam gratos quando eu publico fotos e respondo a eles”.

Os ídolos do ídolo

“Talvez eu tenha me influenciado por Bette Davis (atriz americana) para seguir nessa carreira. Quando eu era menina, ficava no banheiro fazendo cenas sozinha e falando em inglês, imitando ela. Bette sempre foi o meu parâmetro de atriz porque fazia bem tanto a vilã quanto a mocinha. E era uma estrela que não era considerada bonita, mas a maior de todas. Isso me deu a segurança de que não era necessário ser bela pra me tornar uma estrela da televisão brasileira, e sim ter talento e comover pessoas. Na música, fui fã de Elvis Presley, Rolling Stones... Eu era mais roqueira do que romântica. Depois que meu filho (Rodrigo, de 55 anos) virou DJ, conheci e me apaixonei por U2, Dire Straits, Gloria Gaynor... Eu amo música eletrônica! Também gosto muito de funk. Se não consigo dançar até o chão hoje em dia, o que interessa é que essa batida mexe comigo e me faz vibrar, sentir que estou viva”.

Guardar ou contar segredos

“É falta de caráter você passar um segredo adiante. Eu jamais faria isso. Só não sou de guardar segredos meus. Falo muito, conto tudo. Vou lançar a minha biografia em agosto. Possivelmente, deve haver algum detalhe que eu não tenha dito para o Mauro (Alencar, escritor), mas acho que realmente falei até demais. Todo mundo quer saber da vida dos famosos. Queiramos ou não, temos nossas vidas expostas. Nossas dores de amor vão todas parar nos programas de fofoca e na internet. Já estou até vacinada. Tive vários desagravos, mas cheguei à conclusão de que venci. Estou com 80 anos e ninguém me abalou. Estou bonita, fazendo fotos na minha casa de seis andares, minha família mora nos Estados Unidos, meu cabelo custou R$ 8 mil, tenho quatro cachorros que me amam... Você acha que estou preocupada? Se tem tanta gente para falarem e falam logo de mim, é porque a vovó aqui está on, minha filha. Eu deito e durmo. A sorte é que eu não faço nada de errado nesta vida”.

Solidão, não; solitude

“Viver sozinha é muito bom. Eu adoro ficar na minha casa. Se chega sábado e domingo e alguém fala que vai vir me visitar, eu grito: ‘Nãaaaooo!’. Fora de casa, eu preciso de todo mundo. Sou muito dada, muito alegrinha. Mas aqui dentro pouquíssima gente entra. E eu amo essa casa, foi construída com o meu trabalho. Não tem um centavo aqui que seja desonesto ou de marido. Isso é uma vitória num país machista como este. A gente conseguiu ser independente, livre! Uma mulher que se sustenta fica muito mais tranquila nos relacionamentos. Então, eu não pergunto a ninguém se posso namorar um homem de 20 ou 30 anos, embora sempre tenham me julgado. Também não sou de me comunicar com ninguém por celular. Não sei lidar com as emoções através de uma tela. Isso nos deixa covardes. Você se magoa, é xingada por pessoas desconhecidas... Eu sou muito limpa e clara, prefiro falar a verdade olho no olho”.

Aposentadoria

“Não sei se ‘Terra e paixão’ seria a minha última novela, mas eu não pretendo ficar mais muito tempo fazendo, não. Estou com saudade do meu filho, da minha nora e dos meus netos. Penso em morar fora, ter casa lá, como os colegas têm. Outro dia, eu soube que Humberto Martins mora lá. Eu sinto falta da minha família de sangue. Sou muito italiana, meu amor. Pra mim, família é sangue do meu sangue, já que não tenho um marido no momento e nem pretendo ter. Namorado, se aparecer, vou ter”.

Casamento

“Eu não moraria junto novamente. A pandemia foi a maior prova de que você não precisa passar por brigas, aborrecimentos e chaturas, estando sozinha. Homem com mulher é difícil de acertar. Não tem por que a gente continuar insistindo nesse erro (gargalhadas). Fica tudo mais divertido se você sai por aí livre e beija um aqui e outro ali. Não sinto falta de ter um marido, não. Nesse meu livro eu vou rever minha vida amorosa, sentimental e sexual. Porque nesses últimos tempos eu me esqueci disso tudo da vida”.

Saúde

“Eu tenho uma doença crônica e grave, a leucemia, que é controlada. Faço químio e imunoterapia quando precisa. Cuido do meu corpo, da minha saúde. Antes de qualquer paixão, tenho amor pela minha vida. Meu nível de carência é zero. Sou uma pessoa muito cerebral. Aparento ser uma mulher de muita paixão e descontrole, mas não. Não dou um passo errado. E tenho um sexto sentido do c*r*lho. Não tenho nenhuma história pra contar com o enredo: ‘Larguei tudo e fui atrás de fulano’. Nenhum amor me deixou descontrolada. Nunca chorei por homem, eu tinha mais o que fazer (gargalhadas)! Essa frase é boa, né?”.

Faceta cândida

“Susana Vieira não é cândida. Sônia Maria (seu verdadeiro nome), com quem pouquíssima gente convive, é. Nas viagens em família, de férias, eu sou a Sônia. Não fico sendo observada nem julgada, estou com as minhas gorduras à mostra, sem maquiagem, o cabelo amarrado num rabicó, nem ligo se estou na moda ou não. Talvez, só os meus cachorros conheçam o meu lado mais doce, hoje em dia. Eu peço para apagar a luz do closet quando eles estão dormindo, não faço barulho, sou de uma delicadeza com eles... Acho que perdi o resto de ternura que eu tinha quando minha mãe morreu. Eu mudei de personalidade: fiquei uma mulher corajosa, forte, respondona, briguenta. Me senti sozinha pra enfrentar o mundo, segurando a minha família”.

Longevidade

“Minha mãe faleceu com 42 anos, com câncer no cérebro. Não viu quase nada do meu sucesso. Meu pai se foi com 93 anos. Na fé do Senhor, acho que ultrapasso os 90. Minha meta é essa. Eu não penso em morrer, não. Quer dizer, eu penso e morro de medo (risos). Tá doido!”.

Os bônus da fama

“Fui e sou muito feliz sendo famosa. É uma maravilha! ‘Alô, dona Susana, soubemos que a senhora quis comprar uma passagem de primeira classe na ida para Dubai e não encontrou. Agora, na volta, vamos oferecê-la para a senhora’. Não é muito gostoso (gargalhadas)? É um exemplo bobo, mas bom. E as pessoas choram quando me veem. Isso deve ser coisa de amor, de alma. Ninguém chora só por ser fã do outro. Tem alguma coisa a mais, alguma riqueza que vem de dentro de mim e que emociona as pessoas quando eu as abraço. Eu sempre me destaquei, de certa forma. Ainda criança, era a melhor aluna de Matemática e de Português de toda a classe no Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador”.

Glamourosa x popular

“Meu hábito mais popular é tomar café com leite, a qualquer hora do dia ou da noite. E não faço questão de comprar nada de grife, carérrimo. Chinelinho assim (ela mostra um cheio de strass, de marca desconhecida), acha que eu não gosto? Só duas coisas pra mim precisam ter grife: carro, que tem que ser japonês, povo que respeita e é respeitado; e presunto, que tem que ser de marca muito boa, senão estraga rápido, começa a babar. Ah, de luxo, eu não abro mão de viajar de navio na melhor cabine e de avião em primeira classe”.

Rituais de beleza

“Nunca dormi maquiada. Tenho essa pele boa por isso e pela genética. E não acredito em nada do que falam por aí (sobre técnicas de rejuvenescimento). É agulha aqui, fio lá... Nada disso adianta. A vida é cruel. A idade bate e cada um envelhecerá do seu jeito. E esse jeito varia conforme o espírito da pessoa. Eu não envelheci como as minhas inimigas imaginavam. Continuo sem rugas e não coloco um botox na cara. Só creme. Comigo é banho, podólogo, manicure duas vezes por semana, retoque na raiz do cabelo... Nunca fico com um fio de cabelo branco na cabeça! Se fosse bom, as indústrias de tintura não lucrariam tanto. De 12 em 12 dias, eu corro num salão maravilhoso em que não pago nada e faço tudo”.

Sob a influência dos astros

“Eu ainda sou leonina pelo horário em que nasci, 10h30. Até o meio-dia do dia 23 de agosto é cúspide de leão. Meu lado virginiano é a Sônia, o de ser mãe preocupada. Pergunto o que meu filho anda comendo, se está gordo e fumando... Ele parou de fumar, graças a Deus! Mas a Susana Vieira é totalmente leonina. Óbvio! Vaidosa, detalhista, exigente, com mania de perfeição. Estou largando um pouco disso por causa da falta de tempo. Antigamente, eu era o inferno dos funcionários. Vejo um pó na mesa de longe. Acho assim: se me chamam pra fazer uma coisa, tenho que fazer melhor que todo mundo, ser a melhor entre as melhores. E quero que todo mundo que trabalha comigo seja o melhor em suas funções”.

A sucessora

“Eu sou midiática sem fazer nada. Imagina se eu namorasse o Cauã Reymond, então, que escândalo seria! Se eu sozinha já sou esse espetáculo... Da minha idade, não vejo ninguém como eu. Mas tem uma artista da nova geração que acho parecida comigo no pique e na obsessão pelo trabalho, que é a Tatá Werneck. Ela está sempre fazendo muita graça e é uma pessoa profunda. Ela eu respeito, tem carisma”.

Força e fé

“Sou uma mulher de fé. Mas estou querendo mudar de religião, acredita? Deixar de ser católica apostólica romana para virar budista. Pra mim, tudo é Deus. Tenho tanta certeza de que Ele me cuida, que chega a ser obsessão. Sou protegida, sim. Não vou à missa, mas agradeço todo dia de manhã quando abro os olhos, porque estou achando que qualquer dia desses eu não vou mais acordar... Então, enquanto eu estiver acordando, estarei agradecendo. Sinto que o budismo é uma maneira de pensar muito próxima do que eu vivo. Não tem uma religião que te ajude se você não se empenhar física e espiritualmente. Não adianta ir à igreja e gritar ‘amém, aleluia!’ se não respeita os outros. Ontem, eu matei uma formiga e me senti muito culpada. Ela estava no meu box, ficou encharcada, e eu fiz tudo para salvar, não deu. Em compensação, me deu ódio porque paguei R$ 10 mil para dedetizar a casa e me apareceu um sapo, junto com uma pessoa ruim”.

Terra...

“Eu sou encantada com a vida, com a natureza e com os animais. Tive o prazer de ter um sítio em Mendes (no interior do Rio) com um homem que amei muito, o Carson (eles ficaram juntos por 17 anos). Ele mora lá até hoje, é meu melhor amigo. A gente tinha cavalos, hortinha com espinafre, galinhas que botavam ovos caipiras, vacas que davam leite pra ele fazer queijo, ganso que me mordia, carneirinho... O sítio era a materialização daquela música que Elis cantava: ‘Eu quero uma casa no campo...’. A minha vida de casada era baseada nessa música, feliz. Mas eu só ia para lá nos fins de semana e voltava pro Rio para trabalhar. Carson me acrescentou na vida, ao contrário de outros. Eu sou muito urbana, amante de Nova York e metrô, e ele me ensinou a gostar de uma coisa mais pacata”.

... e paixão

“No momento, minha paixão são os meus cachorros. Se o assunto é comida, tenho paixão por café com leite e pão com manteiga na chapa. De lugar, sou apaixonada por Miami e pela minha casa aqui no Rio. Sobre pessoas, minhas paixões são meu filho e minha nora, Ketryn. Eu amo essa mulher! Porque ela é bagaceira igual a mim. E a música mais apaixonante pra mim é ‘Viva la vida’, do Coldplay. É a minha cara. Se bota agora para tocar, eu começo a chorar de alegria, de emoção, de ‘Parabéns, Susana Vieira, você chegou lá’”.

Fotos: Vinícius Mochizuki (@viniciusmochizuki)

Assistência de fotografia e produção de moda: Rodrigo Rodrigues